Produção de séries de TV em Pernambuco ainda precisa avançar
O potencial criativo do audiovisual pernambucano impressiona. O estado é celeiro de reconhecidas produções cinematográficas, como os premiados O som ao redor (Kleber Mendonça Filho) e Tatuagem (Hilton Lacerda). Mas o segmento das séries de ficção idolatrado pelo mundo tanto na TV por assinatura quanto nos serviços de transmissão pela internet, como o Netflix, ainda não alcançou a televisão. O gênero é pouco explorado em Pernambuco, onde predominam as produções seriadas de documentário e de outros tipos de programas - como o processo de criação por parte dos artistas. No edital do Funcultura deste ano, o maior incentivo financeiro bancado pelo poder público estadual, por exemplo, apenas um projeto entre os 15 aprovados havia sido inscrito na categoria seriada de ficção.
“Esse é o primeiro momento de tomada de posição. A gente parte da premissa: por que nós não oferecemos ao público o impacto que a gente oferece no cinema? É uma maneira de estimular essa tomada da perspectiva de produção regional”, questiona o cineasta Hilton Lacerda, uma das exceções na área. O cenário atual para investidas no gênero é propício: séries como Breaking bad, Game of thrones e The walking dead bordam a era de ouro da TV norte-americana e atraem a audiência mundial enquanto, no Brasil, canais de TV paga se desdobram para não perder o filão de seriados e preencher a cota de conteúdo nacional determinada pela Lei 12.485/2011.
Nos Estados Unidos, a indústria de ficção na TV ostenta um cardápio extenso de novas séries ou temporadas inéditas. Até 2015, cerca de 350 produções devem movimentar o mercado do país. No Brasil, apesar de oscilar na audiência, séries como Dupla identidade (TV Globo) e Plano Alto (Record) se alinham na tentativa de investir em uma narrativa diferenciada. Há uma expectativa justificada em torno de como o audiovisual pernambucano vai se inserir no polo produtivo.
“Pernambuco tem uma vocação muito grande para o audiovisual. Mas está tudo muito novo. Ainda está muito focado no cinema. Estamos fazendo mais longas que produção para TV”, avalia a produtora Carol Vergolino, do Ateliê Produções, selecionada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) para desenvolver projetos em Núcleo Criativo - quatro são séries de documentários para TV.
Assim como a Ateliê, Hilton Lacerda é líder do Núcleo Criativo da produtora Polo de Imagem (SP), também escolhida em uma das ações do programa de incentivo Brasil de Todas as Telas, do Governo Federal. Ao todo, são sete projetos: Lama dos dias, Chão de estrelas, Sujeitos, Pele de cordeiro, Mulheres de 30 e as animações O amuleto mágico e O pavão misterioso. Lama dos dias, ambientada à época do manguebeat e feita em parceria com o DJ Dolores, e Chão de estrelas, inspirada no coletivo teatral homônimo do filme Tatuagem, guardam proximidade com Pernambuco. “Talvez a gente consiga realizar com mais liberdade projetos documentais, que são muito bons”, diz Hilton.
O processo de produção de uma série de documentário é diferente de um drama. A questão econômica distancia os gêneros. A ficção exige infraestrutura específica, como cenários, figurinos, maquiagem e corpo de elenco e técnico. “O incentivo, às vezes, é pouco para produzir algo de qualidade. Temos que complementar a renda”, explica Henrique Spencer, diretor da série de ficção pernambucana em pré-produção Fãtástico, em parceria com André Pinto. A média de orçamento por episódio ficcional, segundo Spencer, é de R$ 200 mil.
Outra diferença destacada é a menor interferência de emissoras em projetos documentais. “O documentário se adequa muito mais a uma forma heterogênea de exibição. Parece que tudo fica mais autoral. Quanto à ficção, você tem uma espécie de ‘gradeamento’ de qualidade e tipo de audiência a ser respeitado”, esclarece Hilton.
A escritora Sônia Rodrigues, filha do dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues e autora do recém-lançado Como escrever séries, ressalta a necessidade de se investir na produção de conteúdo regional: “Precisamos de ‘engenharia reversa’ do formato série para levar para o mundo histórias pernambucanas e brasileiras. Imprimir uma marca nacional nas séries não será difícil se nós dominarmos o formato”.
O que vem por aí
As produções pernambucanas planejadas para a TV e em fase de produção:
Fãtásticos, da Plano 9 Produções
Com patrocínio do Funcultura, o episódio piloto está em fase de pré-produção e deve ser rodado ainda neste ano. É o único inscrito na categoria seriada de ficção no Funcultura 2014. A proposta é explorar efeitos especiais e histórias com fantasias. Serão dois a quatro contos por episódio.
Conto que vejo, da Rec Produtores
Também de ficção, o piloto está sendo rodado em Triunfo. Serão cinco episódios, inspirados em contos literários de Ronaldo Correia de Brito, Hermilo Borba Filho, Antônio Carlos Viana, Sidney Rocha e de Hilton Lacerda. A série está prevista para o Canal Brasil.
Ritos, da Desvia
Com patrocínio do NetLabTV, o projeto de Gabriel Mascaro (Doméstica, Um lugar ao sol, Ventos de agosto) está em fase de desenvolvimento de roteiro e captação de recursos. Ainda não há previsão de estreia. É um reality-doc que surgiu a partir de um desejo de provocar debate sobre a convivência religiosa no Brasil.
Se cria assim, do Grupo Parabólica Brasil de Comunicação
Com direção de Claudio Assis, a série de documentários aborda o processo criativo dos artistas plásticos Rodrigo Braga, Bruno Vilela, Marcelo Silveira e Paulo Bruscky. As gravações foram feitas em Serrambi e nos respectivos ateliês. A previsão de estreia é em 2015 no Canal Brasil.
Love songs, da Blue Filmes
Para o episódio piloto, a produção seriada de documentário, dirigida por João Cintra, já começou a fazer algumas entrevistas. O projeto retrata a história de pessoas que se conheceram através do programa de relacionamentos de emissora de rádio. A ideia é que tenha 13 episódios.
Vulneráveis, da Ateliê Produções
Com patrocínio do Funcultura e do Rucker Vieira, a série documental tem previsão de estreia em 2015. Foi desenvolvida em coprodução com a TV Câmara. Com quatro episódios, de 26 minutos cada um, o projeto fala sobre a vulnerabilidade de algumas obras realizadas no estado, como a transposição do São Francisco, a Transnordestina, a fábrica da Fiat e o Porto
de Suape.
Saudade, da Ateliê Produções
Um dos projetos do Núcleo Criativo, a série documental terá 13 episódios de 26 minutos. A proposta é retratar a saudade nas
vidas. O mar será uma espécie de fio condutor
de todos os episódios.
Nosso ofício, da Ateliê produções
Trabalhos manuais será o foco da série, de 13 episódios, com 26 minutos de duração cada. Histórias, costumes e técnicas de trabalhos manuais que estão sendo substituídos pela evolução tecnológica.
O mundo melhor, da Ateliê produções
O ativista e documentarista Ivan Moraes será o personagem central da série documetnario. Em cada episódio, ele questiona os próprios valores sobre o que é um “mundo melhor”. Iniciativas inovadoras de pessoas abastecem a série.
Câmaras, da Ateliê Produções
Em três episódios, cada um com duração de 48 minutos, o projeto busca refletir sobre uma sociedade vigiada e controlada. A proposta é colocar personagens dentro de salas fechadas, com câmeras espalhadas, estimulados por elementos diversos.
O mercado
Incentivo
A preocupação relacionada à produção de conteúdo local para TV é tão pertinente que a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) deve anunciar, amanhã, mudanças na forma de distribuição do aporte da Ancine no edital do Funcultura - e um dos objetivos é viabilizar séries de ficção. A coordenadora do Audiovisual, Carla Francine, preferiu não adiantar detalhes. O fomento em 2014 saltou de R$ 11,5 milhões para R$ 20 milhões, após a parceria com o órgão federal, que disponibilizou R$ 8,5 milhões para longas e projetos televisivos. Em 2010, foram oito projetos de TV selecionados. O número subiu para 15 em 2014.
Formação de profissionais
A formação de profissionais especializados em produções para TV requer estímulos. A coordenadora do curso de Rádio e TV da Aeso, Sandra Lima, percebe que já há maior interesse de alunos em produzir conteúdos para TV e webtv. “O que temos feito no curso é incentivar a produção para o entretenimento. A gente incentiva a produção de webséries e séries de ficção”, ressalta. Segundo ela, oficinas de roteiro e grupos de estudos são algumas atividades segmentadas.
Oportunidade
Produtoras pernambucanas vão estar atentas às novas “janelas” de amanhã a sexta-feira, no evento Market.Mov, criado para estreitar o contato entre realizadores e canais de televisão. A segunda edição é um símbolo da aproximação de produtoras independentes com as emissoras, ao promover rodadas de negociação.