O tempo médio de vida de uma pessoa transgênero no Brasil é de 35 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A expectativa de vida está diretamente ligada à violência praticada contra esse público e o Brasil é o país que mais registra assassinatos de travestis e transexuais, segundo levantamento feito pela ONG Transgender Europe. Em 2019, John Jorge alcançou a idade, mas ele segue na contramão das previsões. Este ano, o estudante tem motivo para comemorar. John está prestes a se formar em Design Gráfico pelas Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), tornando-se, assim, o primeiro egresso trans da instituição.
Esta é a 5ª graduação dele, que já fez Engenharia Mecânica e três cursos de Sistemas de Informação, chegando, inclusive, a trabalhar na área, em grandes empresas. Mas, é a primeira formação desde que resolveu assumir a identidade de gênero masculina e adotar o nome social.
“Já após a transição (mudança do nome e do gênero no registro civil, sem, necessariamente, fazer cirurgia para mudar de sexo), em outubro de 2014, eu entrei em contato com a AESO-Barros Melo, comunicando que tinha a intenção de estudar Design Gráfico aqui, pois é o melhor curso da cidade. Levantei a questão de ser transgênero e quis saber a possibilidade de entrar com o nome social. À época, não existia portaria do MEC para o assunto, que só passou a vigorar (autorizando o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares), em março de 2015”, conta.
John iniciou a conversa com a faculdade por meio da Ouvidora, que, logo marcou uma reunião entre ele e a Direção. Após os alinhamentos necessários e adequações de sistemas para receber a nova documentação do aluno, ele ingressou na instituição, no turno da noite, abrindo portas para outros estudantes trans. “No mesmo ano que eu entrei, 2015, outro rapaz trans entrou pela manhã. Não é muito comum ver homem trans e, de repente, na faculdade, tinham três, quatro caras”, afirma.
O concluinte garante que, no ambiente acadêmico, sempre teve máximo apoio e aprovação. Mas, essa não é a realidade de todos. “Nunca tive problema dentro do curso, nem com funcionários. Mas essa é a minha história. Não posso dizer que é a mesma de outras pessoas trans. Algumas entram em cursos e faculdades e se sentem mal”, ressalta.
No começo, ele ouvia mais “ela” das pessoas que, ao se referirem a ele, trocavam o pronome de tratamento, remetendo ao nome civil. Depois passou. A atenção da coordenadora do curso de Design Gráfico, Nara Castro, bem como a preocupação dos funcionários da secretaria e tesouraria em garantir que todas as atas e documentos de John tivessem o nome social, colaboraram para deixar o estudante mais feliz e confortável. O designer também contou com o apoio de alguns colegas de classe, que, ao perceberem as dificuldades do dia a dia, se solidarizaram. “Eu tinha medo de usar o banheiro masculino, por exemplo. E dois amigos da turma me ajudaram e me escoltavam para eu ir perdendo a insegurança. E isso naturalizou a prática. Nunca sofri nenhum tipo de agressão dentro da AESO-Barros Melo”, lembra.
Para John, conversar é sempre a melhor alternativa para apaziguar os conflitos e esclarecer as dúvidas. “A minha função, como uma pessoa com 35 anos, é vir, com muita gentileza e educação, abrindo caminho para os guris que ainda estão em crise sobre o próprio gênero”, considera.
Ao descobrir que não se identifica com o sexo biológico, mas com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído, a pessoa trans começa uma luta para ser aceita e viver bem e igualmente em sociedade. Com John não foi diferente. Antes de concluir a graduação em Design e ser contratado, formalmente, por uma empresa como profissional transgênero, ele precisou trocar de emprego algumas vezes e chegou a ficar sem trabalho por causa de preconceito, inadequação e intolerância. “Eu me candidatava para as vagas indicando que era um profissional trans e, de dez emails enviados, nenhum voltava. Eventualmente, alguém respondia, afirmando que poderia enviar o CV, mas não adiantava de nada”, relata.
Foi quando decidiu que estava na hora de sair do cenário de grandes corporações. “Não fazia mais sentido construir um currículo com nome civil. Peguei um perfil de LinkedIn com experiência de 10 anos e joguei no lixo”, conta ele, que recomeçou do zero, com nome social, montando nova rede de contatos a partir do convívio na faculdade, com os colegas de curso e professores, que são muito inseridos no mercado.
A ex-professora da AESO-Barros Melo, Valeska Martins, teve papel importante na inserção de John no mercado de trabalho. Ela o indicou para uma vaga na empresa em que trabalhava. “A professora fez toda a ponte com a organização, conversou com os funcionários. Eles viram que meu CV atendia às necessidades e me contrataram como profissional transgênero”, diz.
Hoje John é Designer de UX - Experiência do Usuário, na Joy Street, start-up filiada ao Porto Digital, que trabalha com educação gamificada à distância, produzindo jogos, apps, sites, etc, para Olimpíadas escolares, faculdades, cursos técnicos. Ele cuida de todos os detalhes que o consumidor experimenta no produto. “Eu vou garantir que está acessível para daltônicos, deficientes visuais e auditivos, que é usável em mobile, etc”, explica.
O currículo de John tem as cores da bandeira LGBT e uma tarja indicando que é um profissional transgênero. “Para mim, é uma corrida contra o tempo. Porque eu tenho 35 anos e isso é, sim, um risco. Eu não tenho tempo a perder”, revela ele, que, após a colação de grau, deseja enveredar pela carreira acadêmica e fazer mestrado, doutorado, etc. “Tenho essa obrigação de ser um professor trans nas faculdades, de ser pesquisador, de participar de congressos e falar para diferentes pessoas”, considera.