Hora do Frevo gratuita reúne, pela primeira vez, maestros pernambucanos como instrumentistas
O maestro Edson Rodrigues define o frevo como órfão de pais vivos. Os maestros Duda e Clóvis Pereira acham graça, concordam. “Há quem produza, todos os anos, novas composições. Mas as rádios não tocam, [o frevo] fica órfão. Como as pessoas vão ouvir?”, questiona Rodrigues, habilitado por quase seis décadas dedicadas à música instrumental. Em estúdio no Paço do Frevo, no Bairro do Recife, os três músicos alinham repertório para a primeira apresentação juntos, enquanto debatem a baixa representatividade do ritmo no atual cenário da música nacional. Duda, Clóvis e Edson sobem ao palco nesta sexta (5), abrindo nova temporada do projeto Hora do Frevo, dedicado a realizar apresentações gratuitas às sextas-feiras, no Paço. A iniciativa, que há cerca de um ano era realizada a cada 15 dias, volta a ocorrer semanalmente a partir desta edição - como fora concebida em fevereiro de 2014.
A retomada da periodicidade original foi viabilizada por aporte de R$ 100 mil do Prêmio Nacional Funarte de Programação Continuada para a Música Popular, concedido pela Fundação Nacional de Artes (Funarte). Segundo Eduardo Sarmento, gerente geral do Paço do Frevo, a escassez de verba impossibilitava as apresentações semanais nos últimos meses. “Além de democratizar o frevo, com acesso gratuito ao espaço, a frequência de shows mantém o ritmo vivo durante todo o ano. Nosso objetivo é transformá-lo em música consumida fora do carnaval, além de atrair instrumentistas e facilitar seu acesso ao intercâmbio de gerações, a ferramentas e tecnologias”, diz Sarmento. Com o incentivo, as performances passam a ser transmitidas ao vivo pela internet - em parceria com o departamento de Rádio, TV e Internet da Faculdade Aeso - a partir desta sexta (5).
Nos bastidores, experiência e nostalgia cercam o discurso dos regentes escolhidos para essa edição do projeto. “Antigamente, os frevos começavam a ser produzidos após o São João. No réveillon, o público já pedia os lançamentos durante os shows. No carnaval, já eram populares, estavam na boca do povo. O frevo era prioridade. O Galo [da Madrugada] não desfilava sem frevo, era só o que se ouvia nos carnavais”, lembra Duda. Ele, Clóvis e Edson jamais dividiram o palco, e o ineditismo do encontro é reforçado pela ausência de banda ou orquestra no show desta sexta (5): eles se apresentam como instrumentistas, ajustando a sonoridade do frevo ao piano (Clóvis) e saxofone (Duda e Edson). “Dada a independência musical e o senso rítmico dos colegas, não será difícil. Vamos harmonizar frevos clássicos e, como compositores, é natural incluirmos nossos próprios frevos no repertório”, explica Clóvis.
>> Queixas
“Antigamente, recebíamos o pagamento dos clubes na Quarta-feira de Cinzas, antes mesmo da última apresentação da nossa agenda de carnaval. Depois, foi criada a cultura de não cumprir os prazos, não pagar, atrasar os cachês… Hoje, é comum esperarmos seis meses pelo pagamento, após o show. Enquanto isso, precisamos pagar os músicos da banda, vamos tirando dinheiro do bolso, tentando honrar os compromissos. Isso sem falar na quantidade de documentos exigidos. Certidões, exames médicos. E, ainda assim, demoram a pagar. Quando pagam.” (Duda, maestro)
“É preciso que as autoridades encarreguem uma pessoa de gerenciar o carnaval. Alguém que goste de frevo, que valorize o ritmo, as tradições culturais do nosso estado. Foram esquecendo de cantar as músicas de Capiba, Nelson Ferreira, até que foram desaparecendo do repertório, dando lugar a outros gêneros musicais.” (Clóvis Pereira, maestro)
“Se o blues tivesse nascido aqui, já estaria morto. Os jovens não sabem quem é Nelson Ferreira, e faz apenas 40 anos que ele morreu. Precisamos valorizar o que é nosso, o que é produzido aqui. Há artistas dando o sangue, dedicando a vida a manter as tradições vivas, a preservar nossa cultura, a compor novas músicas, levá-las ao público. Por isso que o frevo é um órfão de pais vivos.” (Edson Rodrigues, maestro)
>> Expectativas
“Vamos formatar dois saxofones e um piano juntos. É preciso pensar em como fazer. O frevo, originalmente, tem uma estrutura de banda. Os metais perguntam e os sopros respondem. Às vezes, não se faz um frevo a contento com cinco pessoas. E nós somos somente três. Teremos que ser muito criativos.” (Edson Rodrigues, maestro)
“Há uma grande expectativa em torno desse encontro. É algo histórico na cena musical pernambucana, considerando a experiência, o tempo de carreira dos maestros. Eles devem retornar ao palco d’A Hora do Frevo em outras ocasiões, não necessariamente os três juntos.” (André Freitas, coordenador de música do Paço do Frevo)
“Enéas Freire, fundador do Galo da Madrugada, era muito rigoroso com isso. Ele fazia questão de embalar o desfile do bloco com frevo. Isso é raro hoje em dia, não acontece mais. A hora do frevo é importante nesse aspecto, é uma oportunidade de resgatar o ritmo. Se o frevo não toca nas rádios, onde as pessoas podem ouvi-lo? Aqui.” (Duda, maestro)
SERVIÇO
Hora do Frevo (com maestros Clóvis Pereira, Duda e Edson Rodrigues)
Quando: 5 de agosto, ao meio-dia
Onde: Paço do Frevo (R. da Guia, s.n, Bairro do Recife)
Quanto: Entrada gratuita
Informações: 3355-9500