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Alvo de fake news, animação 'Super Drags' é condenada pela SBP



Apesar da Netflix enfatizar que se trata de uma animação destinada para adultos (como Rick and Morty, BoJack Horseman e Big Mouth), grupos anti-LGBT+ e religiosos criaram campanhas de boicote à série. Diante da repercussão, a Sociedade Brasileira de Pediatria pediu que a obra fosse cancelada antes mesmo de ir ao ar
A série de animação Super Drags, da plataforma streaming Netflix, ainda está em fase de produção, mas já é foco de debate e alvo de notícias falsas na internet. O enredo gira em torno de três rapazes que trocam a vida pacata como trabalhadores de uma loja de departamento pela manhã, para se transformarem em super-heroínas drag queens durante a noite. Apesar da Netflix enfatizar que se trata de uma animação destinada para adultos (como Rick and Morty, BoJack Horseman e Big Mouth), grupos anti-LGBT+ e religiosos criaram campanhas de boicote a série e espalharam na web publicações indicando que a produção “incentiva a homossexualismo (sic.) em crianças”.

Diante da repercussão, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma nota criticando a obra e pedindo que ela fosse cancelada antes mesmo de ir ao ar, sob a justificativa de que o conteúdo seria impróprio para crianças. O posicionamento da SBP dividiu opiniões sobre respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), censura e LGBTfobia.

Em um comunicado oficial, a plataforma streaming afirmou que oferece uma grande variedade de conteúdos para todos os gostos e lembrou que existe uma seção dedicada às crianças combinada com o recurso de controlar o acesso aos conteúdos disponibilizados. “Super Drags é uma série de animação para uma audiência adulta e não estará disponível na plataforma infantil. As crianças podem acessar apenas o nosso catálogo infantil e colocamos o controle nas mãos dos pais sobre quando e a que tipo de conteúdo seus filhos podem assistir", observa a nota emitida pela Netflix.

 A nota disponibilizada pela SBP pede o cancelamento da obra afirmando que “o conteúdo pode comprometer o desenvolvimento de futuras gerações”. Um dos trechos lança uma alerta sobre os “riscos de se utilizar uma linguagem iminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto, o que exige maior capacidade cognitiva e de elaboração por parte dos espectadores”.

O posicionamento alega, ainda, que o público infanto-juvenil estaria exposto de forma indevida “por meio de programas, como esse desenho animado, a imagens e conteúdos com menções diretas e/ou indiretas a situações de sexo, de violência, de emprego de linguagem imprópria ou de uso de drogas”.

Publicada no último dia 16 de julho no site da instituição e assinada em nome de 40 mil especialistas na saúde física, mental e emocional de cerca de 60 de milhões de crianças e adolescentes, a nota aponta ainda que “vários estudos internacionais importantes comprovam os efeitos nocivos, entre crianças e adolescentes, desse tipo de exposição”.

Presidente da Aliança Nacional LGBTQI+ e pai de três adolescentes de 12, 15 e 17 anos, Toni Reis diz que o posicionamento da SBP é uma censura que passa pelo preconceito, discriminação e pelo cerceamento do poder criativo dos artistas. “Os pais, assim como a sociedade e a escola, são responsáveis pelo conteúdo que os filhos assistem e isso está no ECA. Sempre respeito a classificação indicativa do Ministério da Justiça e vejo que a sexualidade das minhas crianças não foi comprometida. Não é a Netflix que vai dizer o que eles vão ser”, ressalta.

Para o ator Rafael Silva, 35, que dá vida a drag queen Thanya Tumulto há 14 anos, posicionamentos como o da SBP podem incentivar o ódio contra a população LGBTQI+

Para o ator Rafael Silva, 35, que dá vida à drag queen Thanya Tumulto há 14 anos, posicionamentos como o da Sociedade Brasileira de Pediatria podem incentivar o ódio contra a população LGBTQI+. “Recebi uma corrente falando que o desenho iria homossexualizar as crianças. Fiquei horrorizado. Se estão falando isso de um desenho, o que vão falar de uma drag queen real?”, observou.

Ele lembrou da personagem Vovó Mafalda, interpretada por Valentino Guzzo para o programa infantil do Bozo na década de 1980. “A drag não vai influenciar na orientação sexual de ninguém. Uma geração inteira cresceu assistindo Vovó Mafalda, por exemplo, dos anos 80, que era uma drag famosíssima, em canal aberto. Todos assistiam tantos personagens que tinham um teor semelhante e ninguém mudou por conta disso”, ressaltou.

Classificação indicativa
Jornalista, crítico de cinema e coordenador do curso de audiovisual das Faculdades Integradas Barros Melo (Aeso), Luiz Joaquim acredita que a nota da SBP tenha sido construída sem fundamentação. Ele explica que a classificação indicativa é feita pelo Ministério da Justiça. Todos os filmes, independente da plataforma, passam pela autarquia antes de ser disponibilizada ao público.

“Eles seguem uma cartilha extremamente séria, que foi construída junto com psicólogos e outros profissionais. É um trabalho sério, muito bom, com critérios claros e bem definidos. Se a obra receber a classificação de 10 ou 12 anos é porque o Ministério entendeu que ele é apto para o publico infanto-juvenil”, explica.

Luiz Joaquim destacou que não é correto estabelecer um critério de impedimento apenas porque a obra é do gênero animação. “É de uma completa inocência ligar animação apenas ao público infantil. Eu diria que é uma violação a partir de uma ignorância de como as coisas se dão no processo comercial de classificação indicativa dos produtos audiovisuais de modo geral”, reforçou.

Como exemplo, ele citou sitcom americana South Park, da MTV, que estreou ainda nos anos 90 e que, em 2001, acabou virando um filme lançado no Brasil com classificação indicativa de 10 anos. “Foi um dos primeiros filmes de animação de repercussão muito forte. Especificamente dirigida para o público adulto, a série já era bem radical, no ponto de vista da violência e de palavrões. Foi ao ar na MTV, canal aberto, e depois foi para o Multishow, a cabo.”

Opinião dos pais
Mãe de três adolescentes, a engenheira civil Irene Siqueira, 52 anos, é contra o conteúdo, mas reconhece que cada pai tem o poder de direcionar a criação dos filhos como entende ser melhor. “O meu direcionamento é cristão. Os valores cristãos sãos os que preservo. Oriento de acordo com o que eu aprendi como certo. A moral tem que ser preservada. Eles alegam que as pessoas têm o livre arbítrio de querer seguir o seu caminho, até concordo, mas o produto ser acessado por uma criança, acho um problema. Mesmo assim, cada um direciona a educação dos seus filhos como acha que ele vai ser mais feliz”, disse.

A opção de bloqueio com senha é disponibilizada pela Netflix. Para a plataforma de streaming, o recurso de controlar o acesso aos títulos “faz com que pais confiem no serviço como um espaço seguro e apropriado para os seus filhos”. Para Toni Reis, o acesso dos filhos a uma animação sobre drag queens não é um problema. “Não gosto que meus filhos assistam a filmes violentos, mas não vejo absolutamente nenhum problema em uma conteúdo com uma drag queen. E se meu filho assumir que é gay, o que eu vou poder fazer? Quero que ele seja feliz, tenha caráter, fale pelo menos duas línguas e tenha um mestrado. É isso o que eu quero. Mas a sexualidade dele pertence a ele”, defende.

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