48 horas dramáticas, nas quais a imoralidade e a barbárie imperaram no Grande Recife
As fotos são claras. Estamparam os jornais e as redes sociais com imagens desconcertantes. Homem, mulheres, menores de idade, idosos, se degladiavam num estado de confusão total onde os troféus conquistados eram itens de consumo, como TVs de plasmas e telefones celulares. A greve dos policiais militares no Estado deflagrou não apenas um clima de insegurança mas revelou uma sociedade em que os valores de posse chegaram a transformar cidadãos comuns, que nunca tiveram relação com a criminalidade, em seres imorais. Após o caos, as perguntas continuam. Os dias 14 e 15 de maio foram marcados por um dos episódios mais tristes na história dos pernambucanos. Mas quais foram as condições que levaram a um estado de caos como aquele? Como pessoas comuns passam a agir como bandidos? O que causa esse comportamento coletivo? A reportagem da Folha foi ouvir especialistas de diversas áreas, que citam questões como cidadania, consumo, insatisfação política e exclusão social.
Para Diego Carreiro, professor de Cidadania da Faculdades Barros Melo, há uma série de fatores envolvidos nos saques que devastaram o comércio na Região Metropolitana do Recife. A insatisfação social baseada na economia é um deles. “O Brasil é o país que paga mais imposto e tem o menor retorno em termo de serviços prestados à população. Se o governo não está preocupado com eles, por que eles estariam preocupados com o governo? A insatisfação com a política está de tal forma, que em qualquer brecha você recorre à violência, seja saque, agressão, ou atear fogo na rua. Do ponto de vista da cidadania, estamos exercitando a barbárie. Estamos praticando o que é inverso ao que nos é pedido para praticar, que é a tolerância, a compreensão”, detalha. Para o especialista, os saques estão, ainda, relacionados a um desvio ético, ligado à cultura de consumo. “As pessoas estavam roubando objetos que pareciam essenciais, mas aquilo não é essencial. Mas as pessoas querem ter porque o querer é mais importante. Só que a ética acontece quando existe uma harmonia entre o querer, o poder e o dever. O que eu quero eu posso, o que eu posso eu devo, o que eu devo eu quero?”, questiona Diego. O sociólogo Nadilson Silva, da Unicap, aponta uma situação de exclusão social inegável. “Vivemos numa sociedade extremamente excludente. O que é a polícia faz é uma política de contenção, não é segurança pública. E quando há qualquer tipo de enfranquecimento desse controle, as pessoas que se sentem oprimidas extravasam, como uma válvula de escape“, coloca. Segundo Nadilson, com tais itens de consumo, as pessoas se sentem incluídas na sociedade. Mas a raiz do problema está ainda, para o sociológo, nos maus exemplos das elites políticas e empresariais, que banalizaram a ausência de ética. Em uma situação específica como aquela, até mesmo indivíduos moralmente éticos são anulados pelo ímpeto do coletivo. “As pessoas seguiram, automaticamente, o que todo mundo estava fazendo“.
Professora de Economia da UFPE, Tatiane de Menezes minimiza as questões financeiras e cita a situação política brasileira como responsável por criar cidadãos sem consideração a valores morais, exatamente por não terem bons exemplos sociais para se espelharem. “Você vê políticos eleitos que colocam interesses pessoais contra o coletivo. Não é diferente do que aconteceu. Uma coisa é você ter vontade de consumir, outra é tirar um objeto de uma loja só porque se está numa ambiente de permissividade. Estamos vivendo numa sociedade em que o roubo não é visto como
algo errado”, concorda com Diego Carreiro.